sexta-feira, 10 de julho de 2009

indios II

A experiência relatada anteriormente só faz corroborar meu pensamento de que os sujeitos que desejam alcançar uma saída das mãos de grupos que lhes impõem a submissão, devem agrupar-se também. A saída individual não consegue manter-se e ampliar-se, na maioria das vezes. Nesse sentido, o movimento dos povos indígenas traz consigo a legitimidade e a dignidade, embora os meios de comunicação apresentem enormes distorsões a respeito, tentanto imprimir uma imagem de caos, de violência e intolerância por parte desse. O que pode ser mais intolerante que o massacre de não indios sobre indios? Se pegarmos os dados apresentados no texto de Gersen- Baniwa, de que havia em torno de cinco milhoes de indios, no Brasil, na época do descobrimento e que agora, existe menos de um quinto desse número, e que as outras populações não indígenas duplicaram, triplicaram, não se observa sinais de intolerância por parte dos não indios? Para alguns, serem tolerantes é um dever, para outros, opção? A luta pela erradicação de uma concepção de identidade genérica dos povos indígenas, pois a diversidade salta aos olhos, tem de ser trazida para dentro da escola. Não importa estudar os indios, sem corporificá-los, como se não existissem na dimensão concreta, como um conto ou lenda. (embora saibamos que existe intencionalidade nisso, também) Importa conhecer sobre um povo apenas, mas identificando-o, impulsionando nos educandos o desenvolvimento da alteridade. Eles existem e vivem, muitas vezes, bem próximos de nós; não querem nos tomar nada, só querem ter o direito de viver sua história com a mesma dignidade com que desejamos viver a nossa.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Indios

O texto de Gersen Luciano dos Santos - Baniwa, trouxe-me muitas lembranças da época em que fizemos atividades conjuntas, o MARSUL (Museu Arqueológico do RS) através de minha pessoa como diretora, na época, e os dois grupos que habitavam os espaços de reserva do município de Riozinho. Os Guaranis do Campo Molhado e do Km 45, como eles mesmos denominavam seus respectivos locais de moradia. O Campo Molhado ficava bastante distante da cidade de Riozinho e nunca tive a oportunidade de subir até lá. Mas tanto os sujeitos de lá como do Km 45, mais abaixo, frequentaram o MARSUL. Na época eram ministradas palestras sobre a existência de sítios arqueológicos no Brasil com ênfase para o RS, e a caracterização dos respectivos povos que os constituiam. Diariamente recebiamos 2 a 3 escolas. Pelo menos uma pela manhã e outra a tarde. Cheguei a fazer várias conversas com as crianças falando sobre o tema. Surgiu-nos então, da parte da equipe do Museu, que aliás era muito pequena, a idéia de solicitarmos alimentos não perecíveis, roupas e calçados para serem enviados a esses grupos que viviam bastante mal, pois a região onde situavam-se as reservas não eram ricas em termos naturais. A de baixo se configura em um quase precipício e o Campo molhado, muito pedregoso, frio, sem grandes possibilidade de plantio, ou seja, de sobrevida da própria terra, como seria da cultura desses dois grupos. Mais tarde, preparamos uma grande exposição de quadros com fotografias dos dois grupos. Muito lindas. De aspectos de sua vivência nas reservas. Artesanato, cestarias, relações familiares, etc.. Foi inaugurada no dia 27 de abril de 2002. Passaram quase 2.000 pessoas entre avulsos e escolas, pela exposição, no Museu, apreciando as fotos e o artesanato. Nesse dia, foi vendido muito artesanato, as escolas reuniram-se com alguns deles e houve muita informação passada dos Guaranis para não indios. No dia anterior, à noite, houve a inauguração oficial, com a presença da esposa do então vice-governador Miguel Rosseto, que também trabalhava as questões de defesa dos direitos dos povos indígenas. Muitos estudantes da UFRGS, PUCRS, FEEVALE, UNISINOS , ULBRA estiveram presentes, assistindo ali e durante mais dois dias, palestras sobre a questão da identidade desses povos. O cacique Avelino e o cacique Felipe Brissuela falaram sobre alimentação, religiosidade, sustentabilidade, relações familiares e sobre outros temas que iam se gerando por meio de perguntas. Durante, três dias e meio, estiveram acampados dentro do Museu e em sua área externa, cerca de 120 pessoas. Vieram das duas reservas mais de 70 Guaranis. Mulheres, crianças, homems, velhos... No sábado houve uma palestra com um professor da UFRGS que mostrou aos Guaranis a cestarias produzidas por Kaingangues, com explicações sobre simbolismo e identidade. O cacique Avelino, exigiu que todas as mulheres assistissem a palestra e vissem as imagens projetadas, na época,no projetor de slides. Todos comentava muito entre si, embora não entendessemos. Ficaram muito atentos sobre os costumes de seus parentes. Depois, infelizmente, me retirei do Museu para dar aulas, o que também é bom, porém me distanciei do contato com os Guaranis. No ano seguinte ainda, o cacique Miguel veio até as escolas em que passei a lecionar e também fez uma palestra para os alunos, aém de demonstrar dança, canto e música com suas filhinhas e seu violão. Sempre procurei trazê-los para que as pessoas pudessem sensibilizar-se sobre a situação em que vivem e esclarecer sobre o modo de vida desse povo. E na medida do possível com algum retorno de sustentação para eles.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Kant

“A arte da educação ou pedagogia deve, portanto, ser raciocinada, se ela deve desenvolver a natureza humana de tal modo que esta possa conseguir o seu destino.”

“Deve, por fim, cuidar da moralização. Na verdade, não basta que o homem seja capaz de toda sorte de fins; convém também que ele consiga a disposição de escolher apenas os bons fins. Bons são aqueles fins aprovados necessariamente por todos e que podem ser, ao mesmo tempo, os fins de cada um.”

“não se deve educar as crianças segundo o presente estado da espécie humana, mas segundo um estado melhor, possível no futuro, isto é, segundo a idéia de humanidade e da sua inteira destinação. Esse princípio é da máxima importância. De modo geral, os pais educam seus filhos para o mundo presente, ainda que seja corrupto. Ao contrário, deveriam dar-lhes uma educação melhor, para que possa acontecer um estado melhor no futuro.”

“É preciso dar liberdade à criança desde a primeira infância e em todos os seus movimentos (salvo quando pode fazer mal a si mesma, como, por exemplo, se pega uma faca afiada), com a condição de não impedir a liberdade dos outros, como no caso de gritar ou manifestar a sua alegria alto demais, incomodando os outros. 2. Deve-se-lhe mostrar que ela pode conseguir seus propósitos, com a condição de que permita aos demais conseguir os próprios; "


Considero importante colocar aqui alguns trechos dos escritos de Kant, pois eles revelam o seu conceito de autonomia. Acredito que esse não seja um conceito facilmente compreendido dentro da educação, por parte do conjunto docente das diversas escolas públicas. A autonomia vai se constituindo na medida em que outros conceitos vão encontrando seu espaço dentro dela. O sentido da cooperação, expresso no ítem 2 do último trecho. A consciência de que todas as nossas ações repercutem também sobre os outros; expresso no penúltimo trecho. A definição de grupo, de identidade, de indivíduo, e a perspectiva de futuro expressa no 3º trecho. A relação entre indivíduo e sociedade; expressa no 2º trecho e a importância do desenvolvimento da razão, ou seja da capacidade de pensar todas as relações nas quais está inserido sejam elas com os objetos, ou com outros indivíduos. Acredito que deveriamos debater incansavelmente sobre o significado de todos esses aspectos dentro da visão autônoma, como educadores; talvez aí iniciássemos novas trilhas de aprendizagens para as crianças e para nós mesmos como profissionais de escolas públicas frente ao Estado. No município de Taquara, finalmente um grupo de professores está se dedicando a construção de um Sindicato de Professores; vejo nesse espaço uma possibilidade de participação colaborando para a reflexão politico-pedagógica.

Adorno

Quando Adorno fala em seu trabalho "A Educação após Auschwitz"sobre os "assassinos de escrivaninha", fiquei muito mobilizada. Certa vez assisti uma cena em Porto Alegre, quando ainda morava lá, específicamente na rua Borges de Medeiros, onde situavam-se vários terminais de ônibus. De dentro do ônibus em que eu estava observei uma senhora de meia-idade, negra, sentadinha com sua banquinha de cocadas. Em seguida apareceu outra senhora, bem alemoa.(cito as características para realçar a cena justamente porque o sistema se utiliza muito bem delas.)A senhora alemoa estava bêbada e pegou uma cocada da banca da outra sem permissão, ou seja, ela roubou. No seu estado de embriaguez talvez nem estivesse se dando por conta dessas questões morais sobre as quais estamos constantemente pensando, enquanto intelectuais. Seu desejo de comer uma rapadurinha e talvez também por fome, falava mais alto. A Senhora, dona da banca, por sua vez começou a empurrá-la e as duas ficaram literalmente se digladiando... mãos contra mãos se empurrando... a dona da banca pedia socorro e gritava por causa de uma rapadura apenas.. mas também, pelo roubo, por sentir-se roubada, pela penúria e a tentativa de ganhar um dinheirinho com suas rapadurinhas... As duas se xingavam de negra isso e alemoa aquilo.Não havia a culpa de nenhuma delas... Fiquei angustiada e já ia descer do ônibus para interferir... felizmente foram apartadas... mas por alguns instantes observei também os que transitavam...a maioria ria, afirmando ser uma coisa de pobres...outros ainda estimulavam....todos dentro da mesma cena...todos poderiam fazer a mesma coisa, se mexessem em alguma coisa sua... porém, não se dando conta também... assim como a senhora bêbada. Já naquela época eu percebia a briga dos miseráveis contra miseráveis..Atuava muito pela mudança social e pela mundança interior, individual. Eu não lecionava, ainda, mas trabalhava com vários grupos sociais pela antiga FESC municipal. Passaram-se talvez 20 anos daquela cena. Nos dias 18 e 19, participando da CONAE (Conferência Nacional da Educação) após a palestra da Professora Doutora Vera Peroni, novamente, porém em outro nível, a repetição... vários participantes de Conselhos Tutelares da região puxando uma discussão contra professores e funcionários de escola e vice-versa. Nesse momento consegui intervir e alertar que não se podia ficar desperdiçando nossas forças para a mudança. O foco naquele eixo, justamente era o do papel do Estado na elevação da qualidade da educação. Nosso foco era o Estado, representado por governos e banqueiros, citados pela própria professora Vera Peroni. Banqueiros que colocavam faculdades na bolsa de valores. Determinando o que secretários de educação teriam de fazer em trocas financeiras. Infelizmente, desde a afirmação de Adorno, a miséria tomou proporções preocupantes, a pressão social para o consumo acirrou-se sobre os indivíduos, os donos de escrivaninhas as trocaram até por castelos...uma pequena escrivaninha já não basta. Ainda assim, continuo esperando... esperançando...não sei...Acredito no poder dos professores, na educação e num ser humano melhor. Assim como o germem da barbárie está contido na civilização, a elevação de humanidade também ali está no movimento da barbárie, no momento seguinte se opondo, se gestando. Por isso talvez, um dia, a barbárie deixe de se repetir.