quinta-feira, 2 de julho de 2009

Adorno

Quando Adorno fala em seu trabalho "A Educação após Auschwitz"sobre os "assassinos de escrivaninha", fiquei muito mobilizada. Certa vez assisti uma cena em Porto Alegre, quando ainda morava lá, específicamente na rua Borges de Medeiros, onde situavam-se vários terminais de ônibus. De dentro do ônibus em que eu estava observei uma senhora de meia-idade, negra, sentadinha com sua banquinha de cocadas. Em seguida apareceu outra senhora, bem alemoa.(cito as características para realçar a cena justamente porque o sistema se utiliza muito bem delas.)A senhora alemoa estava bêbada e pegou uma cocada da banca da outra sem permissão, ou seja, ela roubou. No seu estado de embriaguez talvez nem estivesse se dando por conta dessas questões morais sobre as quais estamos constantemente pensando, enquanto intelectuais. Seu desejo de comer uma rapadurinha e talvez também por fome, falava mais alto. A Senhora, dona da banca, por sua vez começou a empurrá-la e as duas ficaram literalmente se digladiando... mãos contra mãos se empurrando... a dona da banca pedia socorro e gritava por causa de uma rapadura apenas.. mas também, pelo roubo, por sentir-se roubada, pela penúria e a tentativa de ganhar um dinheirinho com suas rapadurinhas... As duas se xingavam de negra isso e alemoa aquilo.Não havia a culpa de nenhuma delas... Fiquei angustiada e já ia descer do ônibus para interferir... felizmente foram apartadas... mas por alguns instantes observei também os que transitavam...a maioria ria, afirmando ser uma coisa de pobres...outros ainda estimulavam....todos dentro da mesma cena...todos poderiam fazer a mesma coisa, se mexessem em alguma coisa sua... porém, não se dando conta também... assim como a senhora bêbada. Já naquela época eu percebia a briga dos miseráveis contra miseráveis..Atuava muito pela mudança social e pela mundança interior, individual. Eu não lecionava, ainda, mas trabalhava com vários grupos sociais pela antiga FESC municipal. Passaram-se talvez 20 anos daquela cena. Nos dias 18 e 19, participando da CONAE (Conferência Nacional da Educação) após a palestra da Professora Doutora Vera Peroni, novamente, porém em outro nível, a repetição... vários participantes de Conselhos Tutelares da região puxando uma discussão contra professores e funcionários de escola e vice-versa. Nesse momento consegui intervir e alertar que não se podia ficar desperdiçando nossas forças para a mudança. O foco naquele eixo, justamente era o do papel do Estado na elevação da qualidade da educação. Nosso foco era o Estado, representado por governos e banqueiros, citados pela própria professora Vera Peroni. Banqueiros que colocavam faculdades na bolsa de valores. Determinando o que secretários de educação teriam de fazer em trocas financeiras. Infelizmente, desde a afirmação de Adorno, a miséria tomou proporções preocupantes, a pressão social para o consumo acirrou-se sobre os indivíduos, os donos de escrivaninhas as trocaram até por castelos...uma pequena escrivaninha já não basta. Ainda assim, continuo esperando... esperançando...não sei...Acredito no poder dos professores, na educação e num ser humano melhor. Assim como o germem da barbárie está contido na civilização, a elevação de humanidade também ali está no movimento da barbárie, no momento seguinte se opondo, se gestando. Por isso talvez, um dia, a barbárie deixe de se repetir.

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